quinta-feira, 21 de maio de 2009

Duas doses antes de morrer


Estávamos, meu porco e eu, caminhando pelo calçadão de Copacabana. Ele fazendo suas necessidades fisiológicas; eu olhando às bundinhas made in Brazil das moças, tentando discernir o que era feito pelo artesão do que era feito pelo operário. Enquanto os meus olhos percorriam as pernas cativantes de uma morena, uma senhora, dessas que se exercitam nas hidroginásticas da orla, vestida num biquíni de estampa felina, ameaçou-me com um olhar fulminante, como se eu estivesse tragando um cigarro.

– Eu vou te denunciar para a OMS! Você não lê jornal? – gritou, estridentemente, a senhora com corpinho de 71 e trejeitos de 17.

Sem entender por que cargas d´água fui submetido à tamanha agressão, resolvi tomar um banho de mar. De repente, um rapaz, que provavelmente não descendia dos australopithecus - pois não possuía nem uma grama de pelugem, embora algumas madeixas oxigenadas pendessem sobre à sua cabeça -, avançou, com a quilha cortante da sua prancha de surfing, para o focinho do meu porco. Ia chamá-lo de vegetariano recalcado quando, num átimo, brotaram das profundezas do mar meia dúzia de bermudas hawaianas.

Depois de me desvencilhar daquela tribo contemporânea, cujo vernáculo haviam assassinado, acreditei que merecia uma cerveja. Mas, logo em seguida, o dono do quiosque me fez desacreditar.

– Amigo, hoje estamos com uma boa promoção. Se você tomar duas doses de tequila, ganha uma porção de bolinho de bacalhau. – disse-me.
– Quantos bolinhos? – perguntei.
– São oito bolinhos, deste tamanho, no capricho.
– A tequila é prata ou ouro?
– É a melhor tequila da América Latina! – desconversou o mulato inzoneiro. – Veio diretamente do México.

Eu estava demasiadamente aturdido para fazer maiores questionamentos. Pedi duas doses, pois não acreditei que oito bolinhos saciariam o meu apetite. O quiosque estava razoavelmente cheio. Na mesa ao lado, uma mulher falava no celular:

– Amorzinho, já comprou a máscara antigripe suína e o aparelho de choque do Alvinho? – intimou a inquisidora. – Querido, eu não quero te pressionar, mas não se esqueça (sua pele clara ganhou um tom rubro) que TODOS os amiguinhos do nosso filho estão muito bem preparados para o século XXI!

O monólogo repentinamente cessou. O marido deve ter perdido o sinal. Quando mal terminei de digerir aquele diálogo involuntário, o garçom trouxe o meu pedido. Gostaria de ter feito um brinde ao meu suíno, Roche, que fora deportado do epicentro da milésima crise do sistema de capital, porque, segundo as autoridades, imigrou ilegalmente, mas o Marcelo Rezende, ao aparecer na TV com a sua voz fúnebre, despertou a minha atenção:

– A Organização Mundial da Saúde decretou, pela primeira vez na história da humanidade, pandemia global.

Aquelas palavras desestruturaram-me. A hecatombe era inevitável. E nem Marx, nem Mãe Dinah previram esse fim lastimável. No entanto, os meios de comunicação noticiaram. Olhei para o meu porco; ele me interrogava com os seus olhos de desterrado:

– O que foi feito de Vera?

Eu não sabia a resposta. Sabia que não havia escapatória. Antes de morrer, tomei as duas últimas doses latino-americanas.

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