sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Entre o céu e a terra, poeira e lodo ou realidade bandida

O primeiro tapa na cara nós nunca esquecemos. Mas um soco é sempre um soco. Dependendo da força e da precisão de quem o aplica, um soco pode ser duas, três... dez vezes maior do que um tapa. Joaquim – era um possível nome - conhecera o tapa, o soco e todas as outras formas de agressão geradas pela história da humanidade. Seu pai fora incumbido de lhe mostrar a vida, nua e crua. Essa era a ordem natural das coisas. Mas Joaquim estava longe, muito longe, desesperadamente longe da Verdade.

Ele encontrava-se sobre a terra e sob o céu. Não havia naquela matéria qualquer impulso de vida, brilho ou coisa que o valha. Era somente poeira e lodo. Não estou falando da morte, pois a luxúria é um pecado e, para cometê-la, é necessário consciência e, para tê-la, é preciso ser gente. Nossa personagem, cuja semelhança não é mera coincidência, não compreendia, nem tentava compreender, o porquê de ser/estar. Sabia, no entanto, da necessidade de (sobre)viver.

Menor Abandonado – ou Moleque de Rua, como agora o chamavam – fazia parte de um grupo: as estatísticas. Elas oscilavam para cima ou para baixo, numa doentia montanha-russa. Constantemente a velocidade da subida provocava uma insuportável náusea, mas poucos conseguiam vomitar. E, mesmo que alguém tentasse frear tal engrenagem, os esforços eram vãos, porque as poucas-poderosas-mãos sempre estavam presentes.

No sol de 40 graus, é quase impossível discernir o certo e o errado, o justo e o injusto. Raciocinar é trabalho para Descartes, não para Menor Abandonado. Sendo assim, escolhera, sem autonomia, outra atividade. Violentara Fulano, Sicrano, Beltrana e uma tal de Sociedade que, por sua vez, o violentara sem que ele soubesse por que sofrera tanta violência. Mas, como havia dito, ele não queria compreender. Talvez, observando-o melhor, no âmago da matéria – sem chegar à substância –, o leitor possa descobrir sua função. Acho que tudo não passa de disfunção.

Se pudesse escolher o dia da caça, certamente não escolheria aquela chuvosa madrugada de verão. As sirenes compunham uma música ensurdecedora. Bandido – assim disseram os jornais – correra pelas vielas, ruas e encruzilhadas com homens e cães nos calcanhares. Escondera-se, tornara-se invisível por alguns segundos, mas de nada adiantara. As balas tinham o olfato apurado, e a realidade era bandida. Bandido era a Verdade, embora poucos soubessem.

Finalmente, chegara à praia. O tiro acertou um coração que nunca bateu. À gozação divina, ele sorrira. Porque aquele lugar glorioso pertencia somente aos desvalidos, e a ninguém mais. Com os olhos semicerrados, ouvia o sereno acalanto do mar e sentia os raios de sol que ameaçavam sair das nuvens. A brancura da areia maltratava a retina e absorvia todo o vermelho que ali insistia em repousar. Naquele instante, quem estivesse por perto ouviria um estranho murmúrio: era o pranto da alma. Cada lágrima encarregava-se de uma parte da matéria. Elas eram cúmplices, apesar do perene descompasso.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo.

Mas coisa de comunista.