sábado, 26 de julho de 2008

Uma relação de amor e ódio


O sistema caiu, os computadores pararam de funcionar: uma ótima oportunidade para se reavivar as relações interpessoais. Assim, meus companheiros de estágio e eu fomos para a área de fumantes (quase ninguém fuma). Enquanto a conversa, prosa, papo ou troca de idéias se engendrava por várias veredas, eu já aguardava ansioso pelo tema principal: o futebol. Mesmo não gostando de tal modalidade esportiva, é inegável o prazer que tenho em observar as discussões futebolísticas. Tudo estava indo muito bem, até que perceberam meu mórbido silêncio: “O que você acha disso?”, interrogaram-me ironicamente, pois sabem o quanto sou hostil ao esporte. De repente, um outro mais indignado tentou me persuadir com argumentos quase fascistas: “Você é brasileiro, carioca, homem, por que não gosta de futebol?”. Respondi de forma fascista: “Você gosta de jiló?”.

Quando eu nasci, o futebol já era a paixão nacional; o Brasil era Tricampeão da Copa do Mundo; Pelé havia se aposentado e Garrincha havia morrido. Acho que, no dia do batismo, a criança tinha o dever de escolher um time. Na falta de opção, escolhi o Vasco da Gama, time do meu pai. Este, sempre assistia aos jogos, gritava, ficava feliz e irritado. Mas seu "amor" pela camisa não era o mesmo do meu tio flamenguista. Camisa, bermuda, sandália, boné, camisinha, tatuagem, tudo representava o Flamengo. Talvez este fanatismo possa ser explicado pela psicologia das cores vermelha e preta. O futebol estava - e está - em todos os cantos. Na escola, durante as aulas de Educação Física, se não houvesse uma partidinha, os alunos se rebelavam contra a instituição de ensino. Como achava demasiado enfadonho ter que optar entre futebol, vôlei ou basquete, preferia tentar convencer o porteiro a me deixar sair da escola.

Na infância, entrei, junto com meu irmão, em uma Escolinha de Futebol. Eu era brasileiro, todos veneravam o futebol, respiravam futebol, transavam pensando em futebol; não era possível, tinha que gostar de futebol. Até porque, mesmo tendo certeza de minha sexualidade, logo iria ser chamado de gay ou alienígena. Nessa escolinha, vivi experiências assustadoras. Faltava-me habilidade, precisão e jeito com a bola. Tinha que escolher entre ficar no gol ou no banco. Escolhia o primeiro, pois era persistente. Durante os jogos, pais e mães enfurecidas bradavam para que seus futuros craques fizessem a jogada certa. Infelizmente, meus pais não eram assim. Do contrário, teriam presenciado a elegante jogada que fiz ao bater com a cara na trave. O técnico e o time, é óbvio, jogaram-me na fogueira.

Em uma das poucas conversas que tive com o pai da minha namorada, ele me perguntou: “Você gosta de jogar futebol?”. Respondi que não. Pronto, virei um monstro. Voltando à conversa (o sistema ainda não havia voltado. Mau para a empresa; bom para o futebol). Depois de ter respondido, com uma pergunta, a pergunta do meu colega, o papo voltou a fervilhar. Percebi que o verbo odiar estava sendo conjugado por quase todos que ali estavam: “Eu odeio aquele jogador!”; “Aquele locutor é um idiota!”; “Eles se odeiam”. Percebi que no futebol, como num relacionamento, há uma dissonância entre o amor e o ódio. O esporte mexe com as emoções, com os sentimentos daqueles que o apreciam. Perguntei-me qual era a diferença daquela conversa para uma que tivesse como tema principal a novela ou o BBB. Não achei nenhuma. Ambas envolvem desde a criação de estereótipos e preconceitos, até a passividade acrítica dos indivíduos.

Eu poderia falar que o futebol não é mais o mesmo dos tempos áureos. Mas não sei quando foram esses tempos. Poderia dizer que não gosto, e ponto. Mas assim, estaria compactuando com os argumentos infundados que impregnam tais conversas. Prefiro acreditar que esta é mais uma questão complexa, que não será respondida pela lógica binária. Por que apreciamos determinada música? Por que gostamos daquele tipo de comida? Por que alguém nos atrai? O meio e a cultura em que estamos inseridos podem responder, talvez, uma parcela destas perguntas. Quanto à outra, somente a idiossincrasia, a subjetividade, as particularidades e, quem sabe, o DNA de cada um de nós responderá. Somos brasileiros, sim; mas, acima de tudo, somos seres humanos e heterogêneos.

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