domingo, 29 de junho de 2008

Glauber Rocha (1939-1981)



No ano de 1939, a ditadura de Getúlio Vargas, o Estado Novo, completava dois anos. O governo criara o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), órgão responsável pela censura, e a democracia estava longe de ser uma realidade brasileira. Mas, enquanto o populismo de Vargas se perpetuava, a Baía de Todos os Santos dava a luz. No dia 14 de março, em Vitória da Conquista, Bahia, os olhos de Glauber de Andrade Rocha se abriam para o mundo. O nome do primeiro filho de Adamastor Bráulio Silva Rocha e Lúcia Mendes de Andrade Rocha fora inspirado no do cientista alemão Johann Rudolf Glauber (1603-68). Certamente, sua mãe não imaginava o impacto que este nome provocaria na cultura nacional.

Alfabetizado pela mãe, Glauber entra para a escola aos sete anos. Apesar de ter cursado o primário num colégio católico, foi criado na religião de sua mãe, que era convertida ao presbiterianismo por ação de missionários americanos da Missão Brasil Central. Em 1947, enquanto acompanhava o pai nas viagens pelo sertão da Bahia, a chanchada dominava o cinema brasileiro com filmes populares e distribuição garantida. Neste ano, muda-se com a família para Salvador, e passa a estudar no Colégio 2 de Julho. Lá, escreve a peça de teatro “El Hilito de Oro”, encenada pelo professor Josué de Castro e protagonizada pelo próprio Glauber que faz o papel de um príncipe espanhol. Assim, os primeiros passos foram dados.

Além de Glauber, havia mais três irmãs: Ana Marcelina, Anecyr e, a mais nova, Ana Lúcia Mendes. A primeira morreu precocemente de leucemia, em 1952. Aos treze anos, Glauber participa como crítico de cinema, do programa “Cinema em Close-Up”, na Rádio Sociedade da Bahia. Um ano depois, Glauber escreve ao tio, Wilson Mendes de Andrade, revelando o desejo de ser escritor. Gostava de ler Jorge Amado, Érico Veríssimo, clássicos da literatura juvenil, filosofia (Nietzsche e Schopenhauer) e histórias em quadrinhos. O presidente Juscelino Kubitschek venceu as eleições em 1956. A partir daí, com os planos de desenvolvimento, o Brasil vive uma nova fase.

Na Bahia, Glauber, Calasans Neto, Sante Scaldaferri, Luis Paulino, Zé Telles, Fernando da Rocha Peres, Fred Castro entre outros, fundam a Cooperativa Cinematográfica Yemanjá. Como palavra de ordem, pixam nos muros da cidade: “Você acredita em Cinema na Bahia!”. Glauber conhece Milze Maria Soares, e Colabora no filme “Um dia na Rampa”, curta-metragem de Luiz Paulino dos Santos rodado no Mercado Modelo de Salvador. Depois de viajar para o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, retorna à Salvador e cursa Direito na Universidade Federal da Bahia até o terceiro ano. Chamado por Ariovaldo Ma­tos, participa do jornal de esquerda “O Momento”. Colabora nas revistas culturais “Mapa” e “Ângulos” e no semanário “Sete Dias”. Influenciado pelo concretismo, Glauber filma “Pátio”, com Solon Barreto e Helena Ignez.

Em 1959, passa a publicar artigos sobre cinema no Jornal do Brasil e no Diário de Notícias. Neste ano, casa-se com a atriz Helena Ignez e começa em Salvador a filmagem de seu segundo curta-metragem, o inacabado, “Cruz na Praça”, baseado num conto de sua autoria, "A Retreta na Praça", publicado no Panorama do conto baiano. Um ano depois, nasce sua primeira filha, Paloma de Melo e Silva Rocha. O jovem cineasta havia traçado seu caminho: finaliza “Barravento”, com montagem de Nelson Pereira dos Santos, em 1961. O filme recebe o Prêmio Opera Prima no Festival de Cinema de Karlovy Vary, na então Tchecoslováquia. Nessa virada de década, uma série de jovens, vinda de vários lugares, propõe uma nova maneira de fazer cinema. Nasce, a parti daí, o Cinema Novo, e Glauber é um dos seus principais idealizadores.

"Nosso cinema é novo porque o homem brasileiro é novo e a problemática do Brasil é nova e a nossa luz é nova e por isso nossos filmes nascem diferentes dos cinemas da Europa." Glauber pregava uma nova estética, uma revisão crítica da realidade. Depois do golpe militar de 1964, muitos tentaram o amordaçar. Em 1971, o cineasta parte para Nova York e inicia um exílio de cinco anos. Mas, mesmo longe, o artista dá continuidade aos seus projetos. O maior trauma de sua vida acontece em 1977: a morte da irmã, a atriz Anecyr Rocha que, aos 34 anos, caiu em um fosso de elevador.

O cineasta, assim como sua obra, pertencia ao mundo. Passou por Cuba, Paris, Roma, África entre outros lugares. Viveu por algum tempo em Sintra, cidade portuguesa, mas logo voltou para o Rio de Janeiro com um grave problema de saúde. No dia 22 de agosto de 1981, aos 42 anos, Glauber morreu vítima de septicemia, ou como foi declarado no atestado de óbito, de choque bacteriano, provocado por broncopneumonia que o atacava há mais de um mês. O corpo do cineasta foi velado no Parque Lage, cenário de “Terra em Transe”, em clima de comoção e exaltação. Durante a cerimônia, entre amigos, familiares, jornalistas e admiradores, o antropólogo Darcy Ribeiro homeageou o artista: “Glauber Rocha nos deixou, como herança, sua indignação”.

Glauber era amado e odiado, tanto pela esquerda quanto pela direita. Enquanto alguns filmes, como “Deus e o Diabo na Terra do Sol", eram ovacionados, outros, como “Câncer”, provocavam desconforto. “Sou um artista coletivista que está aberto; um anti-artista. Sou uma pessoa do povo. Sou um camponês de Vitória da Conquista. 'A Idade da Terra' seguirá o mesmo itinerário dos outros filmes, criará polêmica, será odiado, será adorado”. Glauber viveu intensamente cada dia da sua vida. Conheceu mulheres, viajou pelo mundo e fez o que quis fazer, filmou o que quis filmar. Sua arte não sofreu concessões. As idéias revolucionárias permaneceram em cada obra: são 20 filmes, ensaios e outros trabalhos, - todos reunidos no Tempo Glauber, projeto de sua mãe e outros familiares. “Eu faço arte revolucionária e não arte panfletária. Eu vivo além dos partidos. Não me interessa a dogmática de nada”.

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