sexta-feira, 27 de junho de 2008

1968 - O Brasil de Glauber

Foto de Evandro Teixeira

A comemoração do quadragésimo aniversário do emblemático ano de 1968 trouxe novos questionamentos para o século XXI. Embora a discussão esteja velada pelo tom nostálgico - como era de se esperar -, os acontecimentos devem ser analisados de forma crítica. Por que este ano se tornou tão significativo? Primeiramente, fora o ano em que diversos fenômenos sociais, políticos e culturais eclodiram pelos quatro cantos do planeta. Mas não foi só em 1968. Muitos fatos ocorreram em anos ou até décadas anteriores. A Revolução Cubana, em 1959, por exemplo, influenciou jovens de todo o mundo - como a juventude francesa, em maio de 1968. É nesse contexto histórico que surge o Cinema Novo e o polêmico cineasta brasileiro Glauber Rocha.

De fato, o mundo parecia compartilhar idéias e utopias muitas vezes híbridas. No Brasil, música, literatura, cinema, teatro e artes plásticas interagiam, se moviam para um mesmo âmago, já que o contexto brasileiro era o mesmo para todas as artes: a ditadura militar. Os militares se instalaram no poder com um golpe em 1964 e no ano de 1968 decretaram o Ato Institucional N° 5. A partir daí, além do fechamento do Congresso Nacional, o país ficou sob uma forte onda de repressão e censura. No entanto, mesmo na escuridão, a cultura brasileira produziu obras de grande importância para o país.

Na música, o movimento tropicalista, tendo como principais expoentes Caetano Veloso e Gilberto Gil, fora influenciado tanto por Beatles e Jimi Hendrix, como por Roberto Carlos e Glauber Rocha. “Se o tropicalismo se deveu em alguma medida a meus atos e minhas idéias, temos então de considerar como deflagrador do movimento o impacto que teve sobre mim o filme Terra em transe”, afirmou Caetano, em seu livro Verdade Tropical. Esta película fora dirigida por Glauber em 1967, abordando, como nos filmes anteriores, temas referentes ao Brasil e ao então chamado Terceiro Mundo. O protagonista é um angustiado jornalista que se encontra em um fogo cruzado: de um lado, governos populistas e ideologias; do outro, políticos reacionários e a miséria do povo.

Mas três anos antes de Terra em Transe, aos 23 anos, o diretor baiano havia filmado sua obra prima: Deus e o Diabo na Terra do Sol. Além de representar um marco para o cinema nacional, é uma dos filmes mais significativos do Cinema Novo. Com poucos recursos e uma mente que permanecia em contínuo processo de criação, Glauber expôs temas centrais da realidade brasileira. As mazelas do sertão, o devaneio religioso e as contradições da vida são apresentados de forma violenta ao espectador. “O Cinema Novo é um projeto que se realiza na política da fome, e sofre, por isto mesmo, todas as fraquezas conseqüentes da sua existência”.

No ano de 1968, Glauber, junto com o diretor Afonso Beato, tinha a pretensão de registrar o momento pelo qual o Brasil estava passando. Passeatas, manifestações e a opressão foram registradas, mas o filme não foi finalizado. “A repressão política e a falta de liberdade de expressão impediram a continuidade do projeto. Em fins de 1969, Glauber e eu saímos do país”, afirmara Beato. O filme marco dos acontecimentos de 1968 ficou a cargo do diretor Rogério Sganzerla, com O Bandido da Luz Vermelha. A obra de Glauber Rocha é um registro valioso do Brasil, da América Latina e do mundo. Com um olhar arrebatador, Glauber captou a realidade e o avesso. O Brasil de Glauber deve ser visto, revisto e construído.

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