Na colonização brasileira, como em outras colônias da América, a mão-de-obra escrava fora a escolhida. Com o respaldo da Igreja Católica, os índios deixam de servir a tais fins. Isto, contudo, não significa que passariam a viver em liberdade; até porque a Igreja, além do corpo, viu na alma um meio para se expurgar a excentricidade de tais povos. A solução encontrada pelos europeus, para suprir a falta de uma demanda que exercesse trabalhos subumanos, estava na África. Trazidos por traficantes, nos porões dos navios, os negros aportaram em um cárcere chamado Brasil.
O enriquecimento de setores da Europa e, posteriormente, da elite brasileira se deu à custa da perniciosa política escravocrata. Desprovidos das necessidades básicas de qualquer ser humano, dormindo em senzalas imundas, úmidas, e muitas vezes acorrentados, os escravos recebiam o açoitamento como punição, caso não mantivessem o comportamento “adequado”, de acordo com a vontade do algoz. Além disso, eram proibidos de executar, manifestar e praticar qualquer tipo de ritual ou religião que não fossem os da cultura dominante.
No dia 13 de maio de 1888, o Brasil - com um atraso deplorável - decreta o fim da escravidão. Talvez, se não fossem as pressões da Inglaterra (visando os seus interesses), essa penosa realidade iria se perpetuar em terras brasileiras por mais alguns decênios, séculos! Embora seja considerada como a cura de todos os males, a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, serviu, somente, como estratégia para dar à população negra respaldo de libertação jurídica, pois o número de negros sob o regime escravocrata já havia diminuído drasticamente. Além de algumas leis anteriores (cobertas de igual cinismo), foram os próprios negros que lutaram pela sua liberdade.
As condições para se viver dignamente, o direito à igualdade, a garantia da terra e o reconhecimento da população negra, que não foram outorgados com a Lei Áurea, hoje, em pleno século XXI, fazem parte de uma utopia. Entre as inúmeras questões que acentuam tal problemática, três devem ser destacadas: 1º - o Brasil é essencialmente miscigenado; logo, não há nenhuma “raça pura”; 2º - as riquezas culturais provêm da junção de todos os povos que no Brasil estiveram; 3ª – enquanto a hipocrisia e o cinismo impregnarem as mentes, nenhuma mudança, considerável, ocorrerá. A dívida para com a população negra só contribui para o regresso do País.
Por fim, reproduzo o que Machado de Assis, neto de escravos, havia escrito em uma de suas crônicas, no dia 19 de maio de 1888, seis dias após a assinatura da Lei Áurea:
“[...] toda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa dos seus dezoito anos, mais ou menos [...] e dei um jantar [...] no intuito de dar-lhe aspecto simbólico [...] Levantei-me eu com a taça de champanhe e declarei que acompanhando as idéias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas idéias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus, que os homens não podiam roubar sem pecado [...] Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo”.
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