domingo, 9 de novembro de 2008

De José Saramago, A Caverna (2000)


Após ter ganho o Nobel de Literatura de 1998, o escritor português José Saramago havia feito uma aposta consigo: terminar um livro antes da virada do milênio. Conseguiu. A Caverna (2000) fechou, com Ensaio Sobre a Cegueira (1995) e Todos os Nomes (1998) - lançados pela Companhia das Letras -, uma “trilogia involuntária”. Ao percorrer suas 350 páginas, o leitor depara-se, assim como nos anteriores, com um estilo menos expansivo, menos “barroco”, porém mais direto e sóbrio. “Eles são o que chamo a diferença entre a estátua e a pedra. Diria que ao contemplarmos a estátua, não estamos a pensar na pedra que está para além da superfície trabalhada pelo escultor. Agora, já não é a estátua que me interessa, mas a pedra que a faz.”. (Visão, 26/10/00)

O oleiro Cipriano Algor vive em uma aldeia com a filha Marta e com o genro Marçal Gacho. Seu trabalho é artesanal, primitivo, permiti-lhe utilizar todas as características e qualidades necessárias ao processo de manufatura. O barro é a matéria prima; as mãos, seu instrumento de labuta. Marta possui a sapiência de uma filósofa, tem grandes idéias e utiliza a racionalidade para a resolução de questões. Ela ajuda o pai na olaria, mas sabe que essa profissão não irá durar por muito tempo. Marçal espera ser promovido a guarda residente, carreira que lhe proporcionará, além do aumento salarial, uma moradia no Centro. A viúva Isaura Estudiosa – ou Madruga, como é conhecida posteriormente – e Achado – um cão com características humanas - completam o quadro de personagens dessa trama.

A escrita peculiar de Saramago pode provocar estranheza aos que principiam em sua obra. Com parágrafos demasiado extensos e a supressão do travessão nos diálogos – segundo ele, para dar mais dinamismo -, o autor busca um estilo conveniente à sua formação intelectual, que seja capaz de transmitir suas perspectivas e questionamentos de um mundo em contínua transformação. O narrador de A Caverna é onisciente, ele sabe e revela os sentimentos e pensamentos mais íntimos das personagens. Embora esta descrição seja feita minuciosamente, tornando cada gesto relevante para que possamos vivenciar e conhecer a realidade desses indivíduos ao longo do romance, o espaço (localidade, cenários) e as fisionomias são postas em segundo plano.

Durante anos Cipriano Algor mantivera relações comerciais com o Centro, um lugar onde todos os desejos de consumo podem ser realizados. No entanto, seus produtos não atendem mais às necessidades do mercado, tornaram-se perecíveis, sem o devido valor de uso. Agora, ao invés do rústico barro, os consumidores buscam tigelas e cântaros de plástico. A solução encontrada por Marta é a fabricação de bonecos de barro. O Centro gosta da idéia e faz uma encomenda de duzentas estatuetas de cada personagem: o bobo, o palhaço, o assírio de barba, o esquimó, o mandarim e a enfermeira, todos encontrados em um velho almanaque. A Olaria Algor precisará adquirir novas técnicas e novos instrumentos para a produção em larga escala.

Diferentemente da caverna de Platão, de onde é necessário sair para encontrar a luz, na alegoria de Saramago é preciso entrar na escuridão, fazendo o movimento inverso ao proposto pelo filósofo. Em ambas o que há é ilusão, simulacro e aparência. Todavia, para Saramago, só conseguiremos um novo rumo se constatarmos o nosso fim. Diante do desenvolvimento tecnológico e da ascensão de um capitalismo globalizado, submetemo-nos à perniciosa lógica do mercado, na qual tudo é perecível e facilmente substituível. As verdadeiras necessidades dão lugar às forjadas; as relações interpessoais, relegadas em prol da tecnocracia. A Caverna é um triste retrato do mundo contemporâneo, mas, acima de tudo, um alento para refletirmos sobre o caminho que queremos traçar.

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