sábado, 27 de setembro de 2008

Trópicos de vanguarda: 40 anos de pão e circo


No final da década de 1960 o mundo parecia explodir – ou implodir – a qualquer momento. A guerra do Vietnã despertara as consciências para os horrores de um conflito bélico; a Guerra Fria dividira o planeta; diversos países da América Latina estavam sob o poder de regimes ditatoriais; mulheres, negros e homossexuais lutavam pelo fim dos preconceitos; as artes clamavam por rupturas. Assim, vanguardas surgem em todas as partes e de formas diferentes, mas buscando algo em comum: mudança. No quadragésimo aniversário do disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circencis, são perceptíveis as transformações trazidas pelo movimento que abalou o Brasil. A rápida aparição do tropicalismo - como ficara conhecido - deixou sua marca na história do país.

O embrião do tropicalismo encontrava-se no Teatro Vila Velha, em Salvador. Ali estavam presentes, além dos idealizadores Caetano Veloso e Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa e Maria Bethânia. Em 64, ao substituir Nara Leão no espetáculo Opinião, Bethânia havia ganho maior popularidade. E, apesar de não ter participado do movimento, fora ela quem incentivara o irmão, Caetano, a ouvir Roberto Carlos. “Quando chegou a hora do tropicalismo – em que vários estilos extrovertidos foram convocados, e o estilo cool da bossa nova aparecia apenas eventualmente como um elemento a mais nas canções-colagens -, um dos seus primeiros anúncios foi feito por Bethânia, chamando-me a atenção para a “vitalidade” de Roberto Carlos”. (Verdade Tropical - Companhia das Letras)

Naquele período, pós-bossa nova, tentava-se separar a música brasileira em dois grupos: nacionalistas, ligados à esquerda, e a Jovem Guarda. Descontentes com os rumos do país, tanto no âmbito artístico quanto no político, os tropicalistas posicionam-se frente a uma nova estética que fosse capaz de universalizar a linguagem da MPB (Música Popular Brasileira) e quebrar as barreiras vigentes. Incorporando guitarras elétricas, psicodelia, bossa, samba, rumba e muita ironia, o movimento contribuiu para a modernização da cultura nacional.

Nelson Motta, no jornal Última Hora, definiu o que chamou de “tropicalismo” da seguinte forma: “Assumir completamente tudo que a vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra ainda desconhecido”. (A Cruzada Tropicalista, 05/02/1968). Um amigo de Caetano, que havia visto a exposição Tropicália, do artista plástico Hélio Oiticica, sugeriu que a palavra fosse utilizada em sua nova canção. Depois de muito hesitar, o baiano aceitou a sugestão e a incluiu em seu segundo disco.

Entre tantas manifestações artísticas, o filme Terra em Transe, de Glauber Rocha, e a montagem da peça O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, por José Celso Martinês, foram de suma importância para o nascimento da Tropicália. “Se o tropicalismo se deveu em alguma medida a meus atos e minhas idéias, temos então de considerar como deflagrador do movimento o impacto que teve sobre mim o filme Terra em Transe”. (Verdade Tropical). As obras da artista plástica Lygia Clark, as guitarras de Jimi Hendrix e a Utopia Antropofágica de Oswald de Andrade também influenciaram os jovens artífices.

Mas a maior inspiração de Gil viera de uma temporada em Recife. Lá, além de conhecer as vanguardas locais, encantou-se com a Banda de Pífanos de Caruaru. Enquanto isso, Caetano conversava com amigos, como Augusto de Campos e José Agrippino, sobre o audacioso projeto, e compunha novas canções. Era a época dos grandes festivais. O programa anárquico do Chacrinha (Abelardo Barbosa) estava no ar. A contracultura norte-americana atraía milhares de jovens. A ditadura brasileira, instaurada com um golpe em 64, apertava o cerco contra a oposição.

Em uma atitude provocativa, Caetano e Gil decidem deflagrar o tropicalismo no festival da TV Record de 1967. Caetano entra no palco acompanhado do grupo de rock argentino Beat Boys para apresentar "Alegria, Alegria", uma canção cheia de referências. E Gil, ao lado do músico erudito Rogério Duprat e dos Mutantes (Arnaldo Dias, Sérgio Dias e Rita Lee), toca "Domingo no Parque", concebida como um filme. No início, as guitarras e as roupas - sugeridas pelo produtor Guilherme Araújo - haviam provocado certo espanto, mas as canções logo caíram no gosto dos ouvintes. O primeiro ato fora concluído com êxito, restava saber o que viria depois.

No ano seguinte, o disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circencis foi concluído. Participaram, além dos já citados, os poetas Capinan e Torquato Neto, o produtor Manoel Bareinbein, o maestro Julio Medaglia, e a cantora Nara Leão. A capa do LP, assim como de outros discos do movimento, ficou a cargo do artista Rogério Duarte. O disco foi amado e odiado. Alguns intelectuais acreditavam que tudo não passava de marketing; outros defendiam o movimento com unhas e dentes. Mas o fim do tropicalismo era inevitável. O regime militar percebeu que, por trás daquela alegoria, havia uma forte crítica à realidade brasileira. Em seguida, Gil e Caetano foram presos e exilados. Quarenta anos depois, fica evidente a necessidade de novas rupturas e, principalmente, novas utopias.

2 comentários:

Thiago Medeiros disse...

Como disse ao ler o texto impresso, é um conteúdo que tanto relembra quanto ensina. No meu caso, ensina.
É difícil ter senso crítico apurado quando se tem um preconceito positivo acerca do redator. Mas pretendo apurar esse senso pra pegar no teu pé, assim como espero contar com o mesmo senso da tua parte. O que, aliás, é honra.

Anônimo disse...

Já havia lido, mas reli. É disso que precisamos no nosso projeto. Precisamos tocar mesmo pra frente essa idéia.
Acho que podemos ter sucesso com isso. Seria bom para nosso futuro, como plataforma profissional e curricular.