Quando eu envelhecer, só andarei nu pela casa vazia. Agora, não. Porque, embora eu tenha nascido no tempo das chacretes, do “amor livre” e da arte moderna, a nudez ainda provoca mal-estar social. Não é todo mundo que consegue se desvencilhar, da noite pro dia, de seu lifestyle. Afinal, é a identidade de muitos eus que está em jogo. Mas eu conseguirei! Desprezarei o despojamento do jeans e o estilo casual das t-shirts; recusarei o conforto do tênis shox e a elegância dos sapatos sociais. Nada de acessório, utensílios e penduricalhos. A nudez pura e simplesmente.
Até lá, a arquitetura e a engenharia conspirarão a favor deste desejo. Os prédios serão enfileirados, qual um exército napoleônico, a fim de atender à máxima dos profissionais destas áreas: “Pouca fresta, pouco espaço”. Ou seja, não haverá quem denuncie os meus atos, pois não haverá a polis, não haverá ruas do Rio nem ruas de João. A cidade será composta de prédios e mais prédios, lado a lado, frente a frente.
Se o caro leitor quiser ir da ex-Rua do Ouvidor à ex-Praça Tiradentes, terá duas opções: pegar um metrô, que continuará funcionando normalmente debaixo da terra, ou ir a pé. Na verdade, tal transporte não se assemelhará em nada com aquele costumeiro passar de pernas. Trata-se de um elevador cilíndrico, análogo às manilhas de esgoto atuais, mas muito mais sofisticado, por onde nós seremos transportados do Edifício do Ouvidor até o Edifício Tiradentes.
Todavia, é bom alertá-lo que nem todos precisarão participar deste périplo. A locomoção ficará restrita a uma espécie de neoproletariado, composta, em sua maioria, pelos entregadores de pizzas, chocolates, remédios, drogas e afins. O senhor ou a senhora, que provavelmente pertencerá à classe dos abastados, não sairá de sua residência para fazer absolutamente nada. Alimentação, saúde, trabalho, lazer, compras? Tudo feito virtualmente, em nome da praticidade. Ora, mas e a reprodução? É só escolher, via web, o embrião que mais lhe apetece, todos embalados hermeticamente.
O progresso será o redentor da nossa nudez. Seremos verdadeiramente livres, pois poderemos voltar ao tão questionado “estado de natureza”, sem precisarmos, no entanto, sujeitar à nossa liberdade a liberdade do outro. Viveremos, enfim, em harmonia plena.
Para isto ocorrer, a realidade social será travestida em reality show. As telas se multiplicarão feito coelhos insaciáveis. A casa inteira será composta de câmeras com telas, tevês com telas, computadores com telas, telefones com telas, relógios com telas e, o maior avanço tecnológico, privadas com telas.
Nossos erros e acertos passarão pelo crivo de algo que estará acima de nós. O acaso perecerá. Mas, pensando bem, essa Coisa Maior, sem vínculo divino, senhora de todas as telas, pode desaprovar a minha nudez. E, se assim o for, quando os pêlos das narinas engrossarem e os do peito, que demorei tanto tempo para cultivar, resolverem cair, quando os fios acinzentados pousarem sobre a minha cabeça e, por fim, quando meu corpo e minha visão começarem a fraquejar ao som das batucadas da vida, aí será tarde demais para a minha humilde nudez.
Até lá, a arquitetura e a engenharia conspirarão a favor deste desejo. Os prédios serão enfileirados, qual um exército napoleônico, a fim de atender à máxima dos profissionais destas áreas: “Pouca fresta, pouco espaço”. Ou seja, não haverá quem denuncie os meus atos, pois não haverá a polis, não haverá ruas do Rio nem ruas de João. A cidade será composta de prédios e mais prédios, lado a lado, frente a frente.
Se o caro leitor quiser ir da ex-Rua do Ouvidor à ex-Praça Tiradentes, terá duas opções: pegar um metrô, que continuará funcionando normalmente debaixo da terra, ou ir a pé. Na verdade, tal transporte não se assemelhará em nada com aquele costumeiro passar de pernas. Trata-se de um elevador cilíndrico, análogo às manilhas de esgoto atuais, mas muito mais sofisticado, por onde nós seremos transportados do Edifício do Ouvidor até o Edifício Tiradentes.
Todavia, é bom alertá-lo que nem todos precisarão participar deste périplo. A locomoção ficará restrita a uma espécie de neoproletariado, composta, em sua maioria, pelos entregadores de pizzas, chocolates, remédios, drogas e afins. O senhor ou a senhora, que provavelmente pertencerá à classe dos abastados, não sairá de sua residência para fazer absolutamente nada. Alimentação, saúde, trabalho, lazer, compras? Tudo feito virtualmente, em nome da praticidade. Ora, mas e a reprodução? É só escolher, via web, o embrião que mais lhe apetece, todos embalados hermeticamente.
O progresso será o redentor da nossa nudez. Seremos verdadeiramente livres, pois poderemos voltar ao tão questionado “estado de natureza”, sem precisarmos, no entanto, sujeitar à nossa liberdade a liberdade do outro. Viveremos, enfim, em harmonia plena.
Para isto ocorrer, a realidade social será travestida em reality show. As telas se multiplicarão feito coelhos insaciáveis. A casa inteira será composta de câmeras com telas, tevês com telas, computadores com telas, telefones com telas, relógios com telas e, o maior avanço tecnológico, privadas com telas.
Nossos erros e acertos passarão pelo crivo de algo que estará acima de nós. O acaso perecerá. Mas, pensando bem, essa Coisa Maior, sem vínculo divino, senhora de todas as telas, pode desaprovar a minha nudez. E, se assim o for, quando os pêlos das narinas engrossarem e os do peito, que demorei tanto tempo para cultivar, resolverem cair, quando os fios acinzentados pousarem sobre a minha cabeça e, por fim, quando meu corpo e minha visão começarem a fraquejar ao som das batucadas da vida, aí será tarde demais para a minha humilde nudez.
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