sexta-feira, 31 de julho de 2009

Todos dançam a mesma dança

O presidente do Senado, escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e latifundiário, José Sarney (PMDB-AP), é uma figura importante neste Brasil varonil. Enquanto alguns políticos contemporâneos, assim como alguns cidadãos, desdenham o passado e o futuro – preferem ficar entrevados em um presente insosso, preocupando-se tão-somente com o hoje e a eterna jovialidade –, ele, ao contrário, além de se manter fiel às suas origens, é agente passivo e, amiúde, ativo da sucessão de fatos que compõem a história do País.

Na verdade, a fidelidade nem sempre foi o seu forte. Em 1965, o “Zé do Sarney”, como fora alcunhado no Maranhão, seu habitat natural, trocou o nome de batismo, José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, por José Sarney de Araújo Costa. A permuta fora efetuada para fins eleitorais. Provavelmente, acreditava-se que José Sarney seria um nome de maior impacto político. Alguém duvida? Basta ler os jornais, sites, blogs, twiters – o mais recente grunhido democrático – e afins ou ver a tevê para constatar a veracidade desta afirmação.

A relação do presidente do Senado com a mídia tupiniquim é outra página importante da biografia deste quase octogenário. Mesmo sendo um homem íntegro e preocupado com o povo maranhense, às vezes comete pequenos deslizes aqui e acolá, que não agradam sua vedete. O controle das concessões públicas de comunicação é um bom exemplo desta relação de amor e ódio. É sabido que o jornal O Estado do Maranhão e a TV Mirante – afiliada da Rede Globo –, dois grandes veículos de comunicação, pertencem à família Sarney. Vale ressaltar que a lei 4.117/62 proíbe o uso de emissoras de televisão para fins políticos, já que as mesmas são concessões públicas.

No presente momento, é notório que o casório esteja em crise. Segundo alguns analistas, o imbróglio iniciou-se após a pulada de cerca derradeira; para outros, tudo não passou de vaidade feminina: a amada não recebeu a gratificação esperada. Mas, diferentemente das outras desavenças, ao que tudo indica, desta vez, não tem volta. A mídia está, conforme a gíria corrente, “bolada”. O Globo vem manifestando há algumas semanas seu descontentamento com a série de reportagens sob o título “O congresso mostra suas entranhas”. Já o jornal Folha de S. Paulo optou por uma designação mais simples: “Congresso em crise”.

Evidentemente, tanto a “crise do Senado” como a tentativa de se criar uma CPI para investigar possíveis desvios de conduta da Petrobras são sintomas de um adultério. A grande imprensa brasileira, desde a eleição presidencial de 2002, mantém relações fogosas com a oposição. É claro que ela nunca amou verdadeiramente o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, o que era inicialmente uma singela dor de cotovelo transformou-se em psicose.

Talvez, o maior ressentimento para com o governo atual esteja relacionado com a criação de mitos-midiáticos. Ora, quem poderia esquecer o mito da jovialidade, encarnado pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello; ou, ainda, o mito da intelectualidade, encarnado pelo sociólogo e também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ambos, assim como o personagem Ronaldo, o Fenômeno (outrora Ronaldinho) e o falecido rei do pop Michael Jackson, foram forjados por um artesão que, apesar da indubitável habilidade, mostrou-se incapaz de mitificar o operário ou, se preferir, “o sapo barbudo”.

Embora a personalidade de José Sarney não seja mítica – afinal, ele é apenas um patriarca –, sua derrocada o será. Se o leitor permitir, gostaria de fazer uma analogia um tanto forçada entre ele e o rei do pop. Ambos ganharam visibilidade e receberam as honrarias destinadas ao rei-filósofo. Ambos envolveram-se em escândalos, picuinhas e inúmeros “mal-entendidos”. Ambos, tal qual a mídia brasileira, dançam a mesma dança: moonwalker, cujos passos para trás impossibilitam o fluxo da História. Mas as semelhanças param por aí. Michael Jackson morreu, ainda que os fãs-fundamentalistas afirmem o contrário; José Sarney, estando ou não no Congresso, é imortal, menos pela função de literato do que a de oligarca.


* Texto publicado no Observatório da Imprensa

3 comentários:

Alexandre Sobral R. Horta disse...

Apesar dos seu ufanismo ao Sarney...
Parabéns, um ótimo texto!

Bernardo Costa disse...

Nada impede o fluxo da História.

"A vida acontece enquanto estamos ocupados fazendo outras coisas", acho que era mais ou menos isso que John Lennon falou certa vez. Via a citação no filme "Viver é assobiar", do diretor cubano Fernando Pérez.

Também escrevei sobre deplorável brasileiro la no meu blogue, mas não peguei tão leve quanto você. O endereço mudou: www.bernardodacosta.blogspot.com, atera aí na tua página.

Estive pensando, sera que não é papel da imprensa ser de oposição, no que diz respeito à fiscalização do poder?

Bernardo Costa disse...

Não acredito que seja um ato esquizofrênico da imprensa fiscalizar o poder. Este é o seu papel há 200 anos, mas, como sabemos, são poucos os veículos independentes, desvinculados de interesses políticos-partidários, que o podem fazer. Como em todos os ramos, existem os maus e bons profissionais. Estes últimos, aqueles que não se prestam a nenhum tipo de joguete e não se vendem, têm a consciência que são prestadores de serviços à sociedade, principalmente às classes menos desfavorecidas. A grande imprensa responde a interesses de pequenos grupos sim, mas, mesmo nela, podemos encontrar casos em que se faz jornalismo de verdade, basta a ver as reportagens que têm sido publicadas pelo Estado de S. Paulo desvendando o escândalo do atos secretos e outras mazelas do nosso Senado. Fiscalizar, investigar, questionar e informar são atitudes que estão no cerne de nossa profissão e sempre haverá espaço para isso, senão seremos apensa carimbadores de informações desprovidos de senso crítico e civismo.

Agora, não entendi um trecho em que você diz que Sarney é "um homem íntegro e preocupado com o povo maranhense". Trata-se de uma ironia?